Point da Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio

 

Um espaço de pausa, reflexão e reencontro consigo.

Aqui, a Psicanálise & Neurociências ganha voz viva, coração pulsante e linguagem acessível.

Este é o Point da Psicanálise, o lugar onde teoria e experiência se encontram, e o saber científico se torna também encontro humano. Texto adaptado e comentado por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.

A SOLIDÃO QUE REVELA: POR QUE MUITOS TÊM MEDO DO PRÓPRIO SILÊNCIO? UMA ANÁLISE PSICANALÍTICA E NEUROCIENTÍFICA

 

Por Profª Dra. Cléo Palácio | Point da Psicanálise & Neurociência

A frase atribuída a Freud, “por não suportar a própria companhia, o indivíduo adquire o infeliz hábito de andar sempre em grupo”, sintetiza uma das questões mais profundas da psicanálise: o medo de olhar para dentro. A maior parte das pessoas evita a solidão não por necessidade de afeto, mas por pavor do encontro consigo mesmas.

Isto não é apenas um fenômeno psicológico abstrato; hoje, neurocientistas, psicanalistas e filósofos afirmam que a fuga de si é um dos mecanismos de defesa mais comuns da mente moderna. O silêncio, que poderia ser fonte de autoconhecimento, torna-se um território ameaçador.

Nesta matéria, você vai entender por que o ser humano teme o próprio inconsciente, o que a psicanálise diz sobre isso, como o cérebro reage ao silêncio e por que enfrentar a solidão é uma das chaves mais poderosas para fortalecer a saúde emocional.

 

1 A Fuga De Si Mesmo: O Que Freud Realmente Queria Dizer?

 

Para Sigmund Freud (1923), o inconsciente contém conteúdos que desejamos evitar: desejos reprimidos, angústias, conflitos infantis e impulsos que nosso “eu consciente” tenta controlar. Quando estamos acompanhados, o aparelho psíquico encontra uma válvula de escape:

·                 conversas desviam pensamentos dolorosos;

·                 distrações reduzem o contato com emoções profundas;

·                 a presença do outro funciona como anestésico simbólico.

Em O Mal-Estar na Civilização, Freud explica que o ser humano cria mecanismos sociais justamente para evitar sua própria angústia. Estar sempre cercado de pessoas suaviza o conflito interno, mas também nos mantém distantes de nós mesmos.

 

2 Por Que O Silêncio Assusta? A Explicação Da Psicanálise

 

Ficar sozinho significa retirar os anestésicos da mente.Na solidão:

·                 a fantasia emerge,

·                 o inconsciente se torna audível,

·                 o sujeito se depara com suas faltas, limites e feridas.

Winnicott (1958) complementa: somente quem desenvolveu um “Self verdadeiro” suporta a própria companhia. Quem vive a partir de um falso self teme o silêncio porque ele desmascara a persona construída para agradar o mundo.

Lacan vai além: o sujeito busca o outro para fugir do “real”, aquilo que não pode ser simbolizado. A presença constante do grupo preenche temporariamente o vazio estrutural do ser humano.

 

3 O Barulho Como Anestesia Emocional

 

Na vida cotidiana, o excesso de estímulos, conversas, telas, redes sociais, tarefas, funciona como uma defesa contra a introspecção.

Pesquisas de Mark Solms, neuropsicanalista contemporâneo, mostram que o cérebro humano busca estímulos externos como forma de evitar a ativação de redes internas relacionadas à dor psíquica. Ou seja: quanto mais distração, menos contato com conflitos internos.

Bessel van der Kolk (2014), estudioso do trauma, reforça: evitar o silêncio é uma forma comum de bloquear memórias e sensações difíceis.

 

4 O Que A Neurociência Revela Sobre O Medo Da Solidão

 

A solidão ativa áreas profundas do cérebro relacionadas à autopercepção e memória emocional:

·                 Córtex pré-frontal medial, região ligada à reflexão interna;

·                 Rede de Modo Padrão (Default Mode Network), ativa quando estamos sozinhos e pensando sobre nós mesmos;

·                 Amígdala, relacionada à ansiedade, podendo disparar quando o sujeito se aproxima de conteúdos internos desconfortáveis.

Estudos de Antonio Damásio e Joseph LeDoux mostram que o cérebro registra o silêncio autopercibido como terreno desconhecido. Se a pessoa associa introspecção a dor psíquica, seu sistema emocional dispara sinais de alerta, por isso ela foge.

 

5 Solidão: Dor Para Alguns, Cura Para Outros

 

O psiquiatra Robert Sapolsky demonstra que o cérebro humano tem uma forte tendência a buscar regulação externa. Entretanto, indivíduos emocionalmente maduros conseguem encontrar regulação interna, e é isso que diferencia a solidão saudável da solidão temida.

Estar consigo mesmo permite:

reorganização emocional

processamento interno de experiências

elaboração simbólica dos afetos

desenvolvimento de autonomia afetiva

fortalecimento da identidade

Winnicott descreve esse fenômeno como capacidade de estar só na presença do outro: o sujeito não depende da companhia externa para existir.

 

6 Só Quem Suporta A Própria Solidão É Capaz De Amar De Verdade

 

Quando a relação com o outro é usada apenas como fuga de si mesmo, o vínculo se torna:

dependente

superficial

ansioso

baseado em carência

Mas quando o sujeito suporta sua própria presença, ele se relaciona por desejo, não por necessidade. Lacan diria que, nesse ponto, o amor se torna encontro, não preenchimento de buracos. Amar sem se perder exige antes um encontro profundo com aquilo que somos na solidão.

 

7 A verdadeira coragem emocional: descer ao fundo do próprio silêncio

 

Ficar sozinho é como “atravessar o espelho”, como você mesma disse: enxergar o que há atrás da imagem que mostramos ao mundo.

É na solidão que:

·                 a alma fala,

·                 o inconsciente emerge,

·                 o sujeito se revela,

·                 a maturidade afetiva nasce.

Fugir de si é viver na superfície. Enfrentar-se é viver com profundidade.

 

REFERÊNCIAS

 

DAMÁSIO, Antonio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

LEDOUX, Joseph. The Emotional Brain. New York: Simon & Schuster, 1996.

SAPOLSKY, Robert. Behave: The Biology of Humans at Our Best and Worst. New York: Penguin Press, 2017.

SOLMS, Mark. The Hidden Spring: A Journey to the Source of Consciousness. New

York: W. W. Norton, 2021.

VAN DER KOLK, Bessel. The Body Keeps the Score. New York: Viking, 2014.
WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

 

NOTA ÉTICA & AUTORAL, CMP Palácio | Point da Psicanálise

 

Texto elaborado e adaptado pela Profª Dra. Cléo Palácio, com base em obras científicas e referências acadêmicas reconhecidas nas áreas de psicanálise, neurociência e comportamento humano. Conteúdo produzido para fins educativos, culturais e formativos, em conformidade com a Lei 9.610/98 (Direitos Autorais) e a Lei 13.709/18 (LGPD). A reprodução parcial é permitida mediante citação da fonte e autoria CMP Palácio.