Point da Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio

 

Um espaço de pausa, reflexão e reencontro consigo.

Aqui, a psicanálise ganha voz viva, coração pulsante e linguagem acessível.

Este é o Point da Psicanálise, o lugar onde teoria e experiência se encontram, e o saber científico se torna também encontro humano. Texto adaptado e comentado por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.

Psicopatia e Neurociência: o que realmente acontece no cérebro de um psicopata?

 

Por Profª Dra. Cléo Palácio | Point da Psicanálise & Neurociência

 

Segundo estudos baseados em diversos autores renomados da psicologia, psicanalise, psiquiatria e neurociência contemporânea, a psicopatia é uma condição marcada por padrões emocionais e comportamentais bastante específicos. Ela envolve traços como frieza emocional, baixa empatia, ausência de culpa, dificuldade de formar vínculos e comportamento manipulador , características que podem aparecer em maior ou menor intensidade, dependendo do indivíduo.

Embora muitas pessoas relacionem a psicopatia apenas à criminalidade, as pesquisas mostram que o fenômeno é muito mais complexo. Hoje, a ciência já confirma que existe uma base neurobiológica real, ou seja, o cérebro de um psicopata apresenta um funcionamento diferente do cérebro da maioria das pessoas.

Essas diferenças ajudam a explicar por que psicopatas sentem menos medo, assumem mais riscos, não se afetam pelo sofrimento alheio e apresentam dificuldade de desenvolver uma vida emocional profunda.

A seguir, você encontrará uma explicação clara, acessível e totalmente embasada nas pesquisas de autores como Robert Hare, Kent Kiehl, Antonio Damásio, Joseph LeDoux, Robert Sapolsky, Adrian Raine, Mark Solms e Bessel van der Kolk, referências mundialmente reconhecidas.

 

1 O que é psicopatia?

De forma simples, psicopatia é um padrão de personalidade marcado por:

·        falta de empatia;

·        ausência de culpa e remorso;

·        emocionalidade muito reduzida;

·        comportamento impulsivo e manipulador;

·        tendência a quebrar regras sociais;

·        dificuldade em manter relações afetivas.

O psicólogo canadense Robert Hare, referência mundial no assunto, criou a PCL-R, uma escala usada até hoje em vários países para avaliar traços psicopáticos.

Importante: nem todo psicopata é criminoso, mas muitos criminosos violentos têm traços psicopáticos.

 

2.1 O que a neurociência descobriu sobre o cérebro do psicopata?

Pesquisas de universidades como Harvard, Penn, Oxford e Yale mostram diferenças bem claras na estrutura e no funcionamento do cérebro de pessoas com traços psicopáticos. Vamos traduzir isso de maneira simples.

 

2.2 Estriado aumentado: uma busca constante por prazer e risco

O estriado é uma região do cérebro que participa:

·        das decisões;

·        da motivação;

·        da busca por recompensas;

·        da sensação de prazer.

Estudos de Adrian Raine (2013) mostram que psicopatas têm essa área cerca de 10% maior.

O que isso significa, na prática?

·       Eles sentem menos medo do perigo

·       Sentem mais prazer em correr riscos

·       Buscam estímulos fortes o tempo todo

·       São mais impulsivos

Esse aumento faz com que eles tenham um “motor ligado” para a recompensar imediata, mesmo que isso gere consequências ruins.

 

2.3 Amígdala menor: pouco medo, pouca empatia

A amígdala é o centro do medo, empatia e reconhecimento de emoções.

A amígdala é uma estrutura pequena do cérebro, com formato parecido ao de uma amêndoa (por isso o nome), localizada na parte profunda do sistema límbico, a área responsável pelas nossas emoções mais básicas.

Ela é uma das regiões mais importantes para:

sentir medo

reconhecer perigo

identificar expressões emocionais

reagir diante de ameaças

regular respostas emocionais fortes

formar memórias emocionais

É como se fosse o “alarme emocional do cérebro”.

 

2.4 Funções principais da amígdala

1 Processamento do medo

É ela que dispara a sensação de “perigo” quando algo ameaça você. Se um carro vem rápido na sua direção, é a amígdala que ativa sua reação de fuga.

2 Avaliação emocional

Ela analisa se uma situação é segura ou não. Funciona como um “sensor emocional”.

3 Memórias emocionais

Grava experiências fortes, positivas ou traumáticas. Por isso, traumas ficam tão marcados.

4 Empatia e leitura das emoções do outro

A amígdala ajuda a reconhecer:

·       tristeza

·       medo

·       raiva

·       alegria

Em rostos e gestos. Pessoas com pouca atividade da amígdala têm dificuldade de sentir empatia.

 

Por que a amígdala é importante no estudo da psicopatia?

Pesquisas de Kent Kiehl e James Blair mostram que psicopatas têm:

·        amígdala menor

·        menor ativação diante do sofrimento alheio

Por isso:

·        não sentem medo como a maioria das pessoas

·        não aprendem facilmente com punições

·        não “sentem” de verdade a dor do outro têm dificuldade em perceber expressões de tristeza, medo ou angústia

Essa é uma das bases da frieza emocional tão característica da psicopatia.

 

Isso explica por que eles:

·        não sentem culpa

·        não sentem medo como outras pessoas

·        têm empatia reduzida

·        não aprendem facilmente com punições

·        não se comovem ao ver alguém sofrendo

É uma das descobertas mais fortes da neurociência moderna sobre psicopatia.

Exemplos simples para entenderem

Pessoa comum: vê alguém chorando → amígdala ativa → sente empatia e preocupação.

Psicopata: vê alguém chorando → amígdala pouco ativa → não sente impacto emocional.

Pessoa comum: ouve um barulho suspeito à noite → amígdala dispara → medo.

Psicopata: ouve o mesmo barulho → amígdala quase não reage → pouca sensação de medo.

2.5 Córtex pré-frontal reduzido: baixa capacidade de controlar impulsos

O córtex pré-frontal é o “freio moral do cérebro”. Ele controla:

·        decisões éticas;

·        empatia;

·        impulsos;

·        planejamento;

·        responsabilidade.

Em psicopatas, ele funciona de forma menos eficiente (Raine, 2013). Na prática:

 

·        eles conseguem entender a regra, mas não “sentem” a obrigação interna de segui-la

·        o impacto emocional de seus atos é baixo

·        são racionais, mas não morais

·        podem ser muito inteligentes, porém pouco afetivos

Esse ponto explica por que muitos psicopatas funcionam socialmente, mas machucam pessoas ao seu redor.

 

2.6 Conexões cerebrais alteradas

Não é apenas o tamanho das áreas. É como elas se conectam. Estudos de neuroimagem mostram que psicopatas têm:

·        menor comunicação entre o sistema límbico (emoções) e o pré-frontal (decisão racional)

·        excesso de atividade em áreas de recompensa

·        pouca resposta emocional diante de estímulos negativos

Essa combinação explica o porquê de muitos psicopatas serem:

·        Frio, calculistas, sedutores, manipuladores, impulsivos e destemidos

 

3 A visão da psicanálise sobre a psicopatia

A psicanálise oferece uma profundidade diferente , não fala apenas do cérebro, mas da formação psíquica do sujeito. Vamos explicar de forma clara, sem jargões.

 

3.1 Freud: ausência de culpa e falhas no Superego

Para Freud, pessoas com traços psicopáticos têm:

·        dificuldade em criar uma “consciência moral”

·        pouco sentimento de culpa

·        dificuldade em se colocar no lugar do outro

Elas funcionam sem o freio interno que organiza o comportamento humano.

 

3.2 Winnicott: vazio afetivo e falso self rígido

Winnicott observou que alguns indivíduos crescem sem uma base afetiva sólida.

Por isso, criam um “falso self”, uma máscara emocional que parece forte, mas esconde um vazio interno. Em psicopatas graves:

·        as relações são superficiais

·        não existe vínculo real

·        o outro é visto como objeto de uso

 

3.3 Lacan: falha no laço social

Para Lacan, o psicopata tem dificuldade em entrar no campo simbólico, ou seja:

·        não reconhece o valor do outro

·        não se sente responsável pelas consequências

·        vive no registro do gozo, do prazer individual

É como se faltasse um “elo interno” que o conectasse ao social e à alteridade.

 

4 Psicopatia tem cura? O que o tratamento pode fazer?

A ciência é clara: não existe cura mas existem formas de manejo e contenção psicoterapia pode reduzir riscos e impulsividade em casos leves

O que funciona melhor:

·        Terapias estruturadas de responsabilidade

·        Treino de habilidades sociais

·        Regulação emocional

·        Programas específicos em contextos jurídicos

·        Acompanhamento contínuo

Na psicanálise, o trabalho é feito com foco em:

·        repetição de padrões

·        discursos manipuladores

·        responsabilização

·        entendimento das consequências dos atos

Não é um tratamento rápido, e nem sempre dá resultado em casos mais graves.

 

5 Psicopatas não são “monstros”,são pessoas com um funcionamento diferente

É fundamental desmistificar:

·        Psicopata não sente “ódio o tempo todo”

·        Psicopata não é sempre violento

·        Psicopatia não é sinônimo de maldade

·        Psicopatia não é culpa espiritual ou moral

A ciência mostra que:

·        é uma condição neurobiológica

·        somada a fatores genéticos

·        modulada pelo ambiente da infância

·        expressa no comportamento adulto

Compreender a psicopatia é um passo importante para prevenir violências, melhorar políticas públicas e orientar práticas clínicas responsáveis. Com conhecimento, responsabilidade e ciência, podemos compreender a psicopatia sem sensacionalismo, contribuindo para uma sociedade mais segura e acolhedora.

 

REFERÊNCIAS:

BLAIR, James; MITCHELL, Derek; BLAIR, Karina. The Psychopath: Emotion and the Brain. Oxford: Blackwell Publishing, 2005.

DAMÁSIO, Antonio. O Erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

HARE, Robert. Without Conscience: The Disturbing World of the Psychopaths Among Us. New York: Guilford Press, 1999.

KIEHL, Kent. The Psychopath Whisperer: The Science of Those Without Conscience. New York: Crown, 2014.

LEDOUX, Joseph. The Emotional Brain: The Mysterious Underpinnings of Emotional Life. New York: Simon & Schuster, 1996.

RAINE, Adrian. The Anatomy of Violence: The Biological Roots of Crime. New York: Pantheon Books, 2013.

SAPOLSKY, Robert. Behave: The Biology of Humans at Our Best and Worst. New York: Penguin Press, 2017.

SOLMS, Mark. The Hidden Spring: A Journey to the Source of Consciousness. New York: W. W. Norton & Company, 2021.

VAN DER KOLK, Bessel. The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma. New York: Viking, 2014.

 

NOTA ÉTICA & AUTORAL — CMP Palácio | Point da Psicanálise

Texto elaborado e adaptado pela Profª Dra. Cléo Palácio, com base em obras científicas e referências acadêmicas reconhecidas nas áreas de psicanálise e neurociência. Conteúdo para fins educativos e culturais, conforme Lei 9.610/98 (Direitos Autorais) e Lei 13.709/18 (LGPD). A reprodução parcial é permitida mediante citação da fonte e autoria CMP Palácio.