Point da Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio

 

Um espaço de pausa, reflexão e reencontro consigo.

 

Aqui, a psicanálise ganha voz viva, coração pulsante e linguagem acessível.

Cada texto nasce do diálogo entre emoção e pensamento, entre ciência e alma.

Este é o Point da Psicanálise, o ponto de encontro entre teoria e vida, onde o inconsciente se revela como mapa interno das nossas escolhas e do nosso cuidado emocional.

Reflexões adaptadas e comentadas por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.*

 

Freud, Lacan e a Psicose: Entre o Recalque e a Foraclusão (TITULO

 

Baseado no artigo original “Teoria e clínica psicanalítica da psicose em Freud e Lacan” (Tania Coelho dos Santos e Flávia Lana Garcia de Oliveira, 2012 – SciELO Brasil)

Texto adaptado e comentado por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.

 

Introdução: quando a mente rompe com a realidade

 

Desde Freud, a psicanálise tem buscado compreender o que acontece quando o sujeito rompe os laços com o real e passa a habitar uma lógica própria, onde o delírio e a alucinação tornam-se linguagem.

No artigo original publicado na Revista Psicologia em Estudo (SciELO), as pesquisadoras Tania Coelho dos Santos e Flávia Lana Garcia de Oliveira analisam, de forma brilhante, como Freud e Lacan construíram a teoria e a clínica das psicoses — um dos temas mais delicados e fascinantes da psicanálise.

 

Freud: da defesa à rejeição

 

Freud foi o primeiro a propor que a psicose não é mero erro da razão, mas uma forma radical de defesa psíquica. Nos textos As neuropsicoses de defesa (1894) e Observações adicionais (1896), ele descreve que o inconsciente tenta proteger o eu de ideias insuportáveis por meio do recalque (Verdrängung), afastando da consciência o que causa sofrimento.

Porém, nas psicoses, essa defesa falha. O sujeito não recalca; ele rejeita completamente a representação traumática e o afeto associado. Freud nomeia esse processo de Verwerfung, que seria, mais tarde, retomado por Lacan como foraclusão.

Essa diferença é crucial: enquanto o neurótico recalcado sofre pelo retorno do recalcado em sintomas simbólicos, o psicótico vê o rejeitado reaparecer no real, como delírios, vozes ou visões.

 

O Caso Schreber: a lógica do delírio

 

Em Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (1911), Freud analisa o famoso Caso Schreber, no qual o paciente acreditava ser perseguido e transformado por forças divinas.

Freud percebeu que o delírio não era um simples erro, mas uma tentativa de cura, um modo de reconstruir o mundo após a quebra simbólica. No delírio, o sujeito cria um novo sistema de significações, uma espécie de “cosmos pessoal”, para dar sentido ao caos interno.

 

Lacan: a foraclusão e o Nome-do-Pai

 

Décadas depois, Jacques Lacan retoma o debate e redefine a estrutura da psicose.

Para ele, o que diferencia o neurótico do psicótico é a presença ou ausência do significante do Nome-do-Pai, o mediador simbólico que organiza o desejo e inscreve a lei.

Quando esse significante não é simbolizado, ocorre a foraclusão (forclusion): o Nome-do-Pai é rejeitado do campo simbólico e, por isso, retorna no real sob a forma de vozes, imagens e delírios.

Lacan afirma: “Tudo o que é recusado na ordem simbólica reaparece no real.” Assim, a psicose não é uma ausência de sentido, mas uma tentativa criativa de sustentar o eu diante da falta simbólica.

 

O real, o simbólico e o imaginário

 

Lacan aprofunda a teoria freudiana criando os três registros que estruturam o sujeito: O Imaginário, o campo das identificações e da imagem de si. O Simbólico, o domínio da linguagem e das leis culturais. O Real, o que não pode ser simbolizado, o impossível de representar. Na psicose, a falha do simbólico faz o real emergir de forma bruta e invasiva. O delírio, então, surge como metáfora de sobrevivência, uma ponte frágil entre o imaginário e o real.

 

O delírio como tentativa de cura

 

Para Freud e Lacan, o delírio psicótico tem uma função reparadora. Ele é a invenção singular do sujeito para dar conta daquilo que o discurso comum não comporta. Nas palavras das autoras Tania Coelho dos Santos e Flávia Lana Garcia de Oliveira, “o delírio é uma tentativa simbólica de costurar a fenda entre o eu e o mundo externo”. Em vez de negar o sintoma, a clínica psicanalítica acompanha o sujeito em sua criação, sustentando o frágil equilíbrio que o mantém no laço com a realidade.

 

Do Nome-do-Pai ao sinthoma: o último Lacan

 

Em seu ensino mais tardio, Lacan relativiza a centralidade do Nome-do-Pai e passa a destacar outras formas de suplência simbólica, como o sinthoma, conceito desenvolvido a partir da leitura de James Joyce. Joyce, segundo Lacan, “fez de sua escrita uma amarra simbólica substitutiva”, mostrando que a criação estética pode funcionar como um novo nó entre o real, o simbólico e o imaginário. Essa visão abre caminho para uma psicanálise mais aberta, onde a psicose é vista não como falha, mas como modo possível de existência e invenção.

 

Conclusão: da doença à linguagem

 

A teoria e a clínica das psicoses em Freud e Lacan revelam que a loucura fala, e que há verdade no delírio. A psicanálise, ao escutar essa fala sem julgá-la, reconhece o sujeito em sua diferença e devolve dignidade ao que antes era apenas considerado patológico. Como dizem as autoras, o sintoma psicótico é “uma suplência imaginária compensatória”, não um erro a ser corrigido, mas uma forma singular de lidar com o impossível de dizer.

 

Referência principal

 

SANTOS, Tania Coelho dos; OLIVEIRA, Flávia Lana Garcia de. Teoria e clínica psicanalítica da psicose em Freud e Lacan. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 1, p. 1-15, mar. 2012.

Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/zZ6T7Gsw3jYQbSry4CtZHmw

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Acesso em: 7 nov. 2025.

 

Nota Ética e Autoral – CMP Palácio | Point da Psicanálise

 

Texto inspirado e adaptado do artigo científico real de Tania Coelho dos Santos e Flávia Lana Garcia de Oliveira (Psicologia em Estudo, SciELO, 2012), com interpretação autoral e linguagem acessível elaborada por Profª Dra. Cléo Palácio.

Finalidade educacional, científica e cultural, conforme a Lei 9.610/98 (Direitos Autorais) e a Lei 13.709/18 (LGPD).

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