Por Profª. Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional

Introdução

Compreender a mente humana sempre foi um desafio que atravessou séculos, escolas e ciências. A psicanálise, nascida do desejo de entender o inconsciente, e as neurociências, baseadas na observação das estruturas cerebrais, representam dois caminhos que, por muito tempo, caminharam em direções distintas.

Nas últimas décadas, entretanto, o diálogo entre ambas tem revelado descobertas profundas sobre a natureza do pensamento, das emoções e da consciência. Hoje, não é mais possível estudar o comportamento humano sem considerar o entrelaçamento entre corpo, cérebro e alma.

Essa integração é o que o psiquiatra Antonio Carlos Pacheco e Silva Filho propõe em seu artigo clássico “Psicanálise e Neurociências”, publicado na Revista de Psiquiatria Clínica (2003). Sua reflexão abre uma ponte entre o saber científico e o olhar subjetivo, mostrando que o humano não pode ser reduzido a sinapses, nem compreendido apenas pelos afetos  ele é, sobretudo, uma fusão viva entre ambos.

O Diálogo Entre Mente e Cérebro

O autor descreve com sensibilidade que o conceito de plasticidade cerebral, a capacidade do cérebro de se reorganizar ,oferece uma base orgânica que sustenta os princípios psicanalíticos contemporâneos. A cada nova experiência, novas conexões se formam, revelando que o inconsciente também tem raízes biológicas.

A partir das contribuições de António Damásio, Houzel e outros pesquisadores, Pacheco e Silva Filho demonstra que emoção e pensamento são inseparáveis. O sentir antecede o pensar; o corpo reage antes que a razão compreenda. Essa perspectiva aproxima a neurociência moderna da psicanálise freudiana, que sempre enxergou no afeto o motor das ações humanas.

O Sono, o Sonho e o Inconsciente

O texto percorre temas como o sono e os sonhos, explicando que o descanso mental é também um processo criativo. Durante o sono profundo, as redes neuronais se reorganizam, consolidando aprendizagens e abrindo espaço para o inconsciente se manifestar.

O autor destaca ainda o poder simbólico do riso, visto como expressão psíquica e corporal que libera tensões reprimidas e revela, de forma leve, os desejos escondidos. Freud já havia explorado esse tema em “O Chiste e o Inconsciente”, e Pacheco e Silva Filho amplia essa reflexão sob o olhar da neurociência, mostrando como o riso está ligado tanto à descarga emocional quanto ao prazer químico cerebral.

 

Memória, Emoção e Fantasia

Em outro ponto, o autor analisa como a memória, em suas múltiplas formas procedural, declarativa e filogenética , se liga à fantasia inconsciente, sustentando a continuidade da identidade humana. A mente é como um organismo vivo em constante metamorfose, unindo lembranças, afetos e instintos em uma dança infinita entre o biológico e o simbólico.

Pacheco e Silva Filho também reflete sobre o papel da imaginação como elemento essencial da consciência e da criatividade. A fantasia, tanto consciente quanto inconsciente, é vista como um campo fértil que alimenta as descobertas científicas e as expressões artísticas.

Por fim, o autor conclui que psicanálise e neurociência são como espelhos que se refletem: uma ilumina a profundidade emocional, enquanto a outra revela o mecanismo que a sustenta. Ambas falam da mesma alma , uma pelo idioma do sentimento, a outra pela linguagem da ciência.

Conclusão Humanizada

A obra de Pacheco e Silva Filho convida a repensar o modo como olhamos para o ser humano. O cérebro não é apenas um conjunto de neurônios, mas o palco onde se encena a história do sujeito, suas dores, afetos e esperanças. E a mente, por sua vez, não é uma abstração sem corpo , é energia pulsante que molda e é moldada pela biologia.

Compreender essa unidade é um ato de amor e também de responsabilidade: amor pelo mistério da vida e responsabilidade por cuidar da saúde mental de forma integral.

A integração entre psicanálise e neurociência nos lembra que a cura não está apenas na análise da palavra, nem só no estudo da célula, mas no encontro sensível entre emoção e razão.

É nesse ponto de equilíbrio que nasce o autoconhecimento , um território em que o sentir e o pensar caminham juntos, dando forma à experiência humana em sua totalidade.


Referência Original

PACHECO E SILVA FILHO, Antonio Carlos. Psicanálise e neurociências. Arquivos de Psiquiatria Clínica (São Paulo), v.30, n.3, 2003. Disponível em:
https://doi.org/10.1590/S0101-60832003000300010.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/rpc/a/fvsQsjDNQcR6VbJpfJKhMjj/?lang=pt
Acesso em: 27 out. 2025.

 

Texto adaptado e comentado por Profª. Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano Socioemocional , Educacional e Profissional.
Reflexão inspirada no artigo original de Antonio Carlos Pacheco e Silva Filho (2003).

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