Point da
Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio
Um espaço de pausa,
reflexão e reencontro consigo. Aqui, a Psicanálise & Neurociências ganha
voz viva, coração pulsante e linguagem acessível. Este é o Point da
Psicanálise, o lugar onde teoria e experiência se encontram, e o saber
científico se torna também encontro humano. Texto adaptado e comentado por
Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e
Profissional.
O INCONSCIENTE NÃO DORME: POR QUE
SONHAMOS?
Uma
leitura psicanalítica e neurocientífica sobre os sonhos Enquanto
o corpo descansa, a mente trabalha. Mesmo quando fechamos os olhos e
acreditamos estar “desligados”, algo dentro de nós permanece ativo, pulsando,
organizando imagens, sensações e histórias. É nesse território silencioso que
os sonhos surgem. A pergunta atravessa séculos: por que sonhamos? E mais
ainda: por que sonhamos coisas que parecem não fazer sentido algum? A
psicanálise e a neurociência, cada uma a seu modo, oferecem respostas que se
encontram justamente nesse ponto: o inconsciente não dorme.
O que acontece no cérebro quando
dormimos?
Durante o sono, o cérebro passa
por diferentes fases. Uma delas é chamada de fase REM, sigla em inglês
para Rapid Eye Movement
(Movimento Rápido dos Olhos).
De forma simples, a fase REM é o
momento em que:
·
o cérebro está altamente ativo,
·
o corpo permanece relaxado,
·
os olhos se movimentam rapidamente,
·
e os sonhos mais vívidos costumam acontecer.
Ou seja, não é um sono
profundo no sentido de desligamento, mas um estado especial em que o
cérebro reorganiza memórias, emoções e experiências.
A neurociência já demonstrou que,
nessa fase, áreas ligadas à emoção, à memória e à imaginação ficam muito
ativas, enquanto regiões responsáveis pela lógica e pelo controle racional
diminuem sua atuação. É por isso que os sonhos parecem estranhos, ilógicos ou
fragmentados.
E os sonhos “sem pé nem cabeça”?
Muitas pessoas acreditam que só
têm valor os sonhos “claros” ou simbólicos. Mas, para a psicanálise, não
existe sonho inútil ou aleatório.
Sigmund Freud foi claro ao
afirmar que: todo sonho é uma realização disfarçada de um desejo inconsciente.
Mesmo aqueles sonhos confusos,
desconexos ou aparentemente sem sentido são produções do inconsciente. Eles não
seguem a lógica da razão, mas a lógica do desejo, da emoção e da memória
afetiva.
No inconsciente:
·
passado, presente e futuro se misturam;
·
imagens substituem palavras;
·
sensações falam mais alto que explicações.
Por isso, um sonho pode parecer
absurdo, mas ainda assim carregar conteúdos profundos ligados a medos,
conflitos, lembranças infantis, desejos reprimidos ou emoções não elaboradas.
O que a psicanálise diz sobre os
sonhos?
Para Freud, o sonho é uma via
privilegiada de acesso ao inconsciente.
Aquilo que não encontra espaço na consciência durante o dia encontra passagem
durante a noite. Já para autores posteriores, como Lacan, o sonho é uma forma
de linguagem: ele fala por imagens, cortes, repetições e metáforas. Mesmo
quando não entendemos, algo está sendo dito.
Na clínica psicanalítica, o sonho
não é interpretado de forma pronta ou universal. Ele é escutado a partir da
história, da fala e da singularidade de cada sujeito. O sentido não está no
dicionário de símbolos, mas naquilo que o sonho desperta em quem sonha.
O olhar da neurociência sobre os
sonhos
A neurociência não busca
interpretar o significado simbólico dos sonhos, mas compreender como o
cérebro os produz.
Pesquisas mostram que, durante o
sono REM:
·
memórias emocionais são reorganizadas;
·
experiências recentes se misturam com lembranças
antigas;
·
o cérebro cria narrativas a partir de fragmentos.
Ainda assim, a própria
neurociência reconhece um limite importante:
sabemos por onde o pensamento circula, mas não sabemos exatamente como ele
se transforma em experiência subjetiva.
Ou seja, sabemos quais redes
neurais estão envolvidas, mas não sabemos explicar como a atividade elétrica
se transforma em imagem, emoção e sentido. A consciência segue sendo um dos
maiores mistérios da ciência.
Sonhar é um trabalho psíquico
Sonhar não é descanso. É
trabalho. Um trabalho silencioso de elaboração emocional. É por meio dos sonhos
que o psiquismo:
·
tenta digerir experiências difíceis;
·
reorganiza afetos;
·
simboliza o que ainda não pode ser dito em
palavras.
Mesmo quando não lembramos do
sonho ao acordar, ele cumpriu sua função. O inconsciente trabalhou.
Por isso, dizer que “não sonha”
geralmente significa apenas não lembrar, e não ausência de sonhos.
Quando o sonho nos convoca a
escutar
A psicanálise não ensina a controlar
sonhos, mas a escutá-los. Eles não trazem respostas prontas, mas pistas.
Quando um sonho insiste, se
repete ou causa forte impacto emocional, ele está sinalizando algo que pede
atenção. Não para ser decifrado às pressas, mas para ser elaborado no tempo do
sujeito.mPorque, no fundo, o inconsciente não dorme.
Ele fala em silêncio, em imagens, em cenas desconexas, e espera ser escutado.
Conclusão
Sonhar é uma das experiências
mais humanas que existem.
Entre ciência e psicanálise, o sonho permanece como ponte entre corpo e mente,
entre o que sabemos e o que ainda não conseguimos explicar.
Talvez o mistério não esteja
apenas em entender os sonhos, mas em aceitar que há, em cada um de nós, uma parte
que não se deixa capturar totalmente pela razão. E é justamente aí que o
inconsciente continua falando.
Referências
FREUD,
S. A
Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago.
FREUD,
S. Além do
Princípio do Prazer. Rio de Janeiro: Imago.
LACAN,
J. Escritos.
Rio de Janeiro: Zahar.
DAMÁSIO,
A. O Erro de
Descartes. São Paulo: Companhia das Letras.
LEDOUX,
J. O Cérebro
Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva.
SOLMS,
M. The Hidden
Spring. New York: Norton.
Nota Ética e Autoral – CMP
Palácio | Point da Psicanálise
Texto elaborado e adaptado pela Profª
Dra. Cléo Palácio, com base em obras clássicas da Psicanálise e em estudos
contemporâneos da Neurociência, de domínio acadêmico. Conteúdo com finalidade
educativa, científica e cultural, conforme a Lei nº 9.610/98 (Direitos
Autorais) e a Lei nº 13.709/18 (LGPD). A reprodução parcial é permitida
mediante citação da fonte e autoria.