Point da Psicanálise – por Profª
Dra. Cléo Palácio
Um espaço de pausa, reflexão e
reencontro consigo.
Aqui, a psicanálise ganha voz
viva, coração pulsante e linguagem acessível.
Este é o Point da Psicanálise, o
lugar onde teoria e experiência se encontram, e o saber científico se torna
também encontro humano.
Texto adaptado e comentado por
Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e
Profissional
Síndrome
da Rejeição: quando o medo de perder o amor molda a subjetividade
A
experiência de ser rejeitado acompanha a história humana desde os primeiros
vínculos. Para a psicanálise, a rejeição não é apenas um acontecimento externo,
mas uma marca que atravessa o corpo, a linguagem, a memória afetiva e o modo
como o sujeito se percebe no mundo. Ela produz efeitos no desejo, nas escolhas
e na forma como a pessoa se relaciona com os outros ,e consigo mesma.
A
chamada Síndrome da Rejeição, expressão amplamente utilizada na clínica
contemporânea, descreve um conjunto de sentimentos e comportamentos que surgem
quando o sujeito desenvolve um medo intenso de perder o amor, ser abandonado ou
não ser aceito. Embora não seja um diagnóstico psiquiátrico formal, é um
fenômeno clínico real, frequente e estudado tanto pela psicanálise quanto pela
neurociência.
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A rejeição começa nos primeiros vínculos
Sigmund
Freud destacou que o ser humano nasce em estado de desamparo
(Hilflosigkeit). O bebê depende radicalmente do outro para existir. Quando esse
outro falha na função de acolher, interpretar e responder às necessidades
emocionais, instala-se um vazio que o sujeito carregará como marca.
Winnicott
aprofunda essa ideia ao afirmar que o bebê precisa de um ambiente
suficientemente bom. Se, desde cedo, ele encontra respostas incoerentes ou
imprevisíveis, pode desenvolver uma estrutura psíquica hipersensível à perda e
ao abandono. Por isso, a rejeição não é uma situação isolada: ela se torna uma
experiência psíquica repetida e internalizada.
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A ferida de rejeição e a formação do self
Pesquisadores
como Antonio Damásio, Bessel van der Kolk e Joseph LeDoux
mostram que experiências de dor relacional ativam circuitos neurológicos
ligados ao medo e à sobrevivência. O corpo grava essas impressões como ameaça.
Na
psicanálise, essa ferida aparece como:
- baixa autoestima crônica
- excesso de autocrítica
- ruminações mentais
- necessidade de validação
externa
- medo de errar ou desagradar
- sensação de não ser
suficiente
Quando
não elaborada, a rejeição passa a funcionar como uma lente que deforma as
relações. Pequenas frustrações parecem grandes ataques. O silêncio do outro
vira sinal de abandono. Tudo se transforma em confirmação da frase silenciosa: “eu
não sou digno de ser amado”.
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A síndrome da rejeição na vida adulta
O
sujeito marcado pela rejeição costuma apresentar alguns padrões emocionais:
✔ Relações afetivas instáveis
Há
uma oscilação entre apego intenso e medo de se envolver. O vínculo vira um
território de tensão.
✔ Hiperinterpretação dos gestos
Qualquer
mudança no comportamento do outro é percebida como sinal de que “algo está
errado”.
✔ Busca compulsiva por aprovação
O
sujeito tenta garantir sua permanência na vida do outro agradando, cedendo ou
anulando desejos.
✔ Dificuldade em confiar
Há
sempre uma expectativa inconsciente de que o outro irá partir.
✔ Sofrimento silencioso
Muitas
pessoas vivem presas a expectativas impossíveis, tentando ser perfeitas para
evitar o abandono.
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O que a psicanálise entende por rejeição?
Para
a psicanálise, a rejeição não é apenas um fato externo , é uma narrativa
interna construída ao longo da vida. Lacan explica esse fenômeno por meio da
relação do sujeito com o Outro: a imagem que temos de nós depende do
olhar que recebemos.
Quando
o sujeito internaliza a experiência de exclusão, ele passa a viver sob o efeito
do que Lacan chamou de falta, uma sensação estrutural de que “algo em
mim não é desejável”. Já Winnicott entende a rejeição como uma falha ambiental
que impede o sujeito de desenvolver um senso de continuidade do ser. Em vez de
sentir-se real, ele sente-se “não visto”. Na clínica, é comum que a pessoa não
saiba nomear esse sofrimento, mas o viva profundamente.
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O olhar da neurociência sobre a rejeição
Autores
como Eric Kandel, Daniel Siegel e Joseph LeDoux mostram
que a rejeição ativa no cérebro as mesmas regiões envolvidas na dor física. É
uma dor real. Mensurável. Corporal. Por isso:
- o coração acelera
- a respiração altera
- há dor no peito
- surgem sintomas ansiosos
O
corpo reage como se estivesse diante de um perigo concreto. Quando a rejeição
se repete na infância, esses circuitos ficam mais sensíveis, tornando a pessoa
vulnerável a rejeições futuras.
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Como a psicanálise ajuda pacientes com Síndrome da Rejeição?
✔ Reconstrução da história afetiva
A
análise permite revisitar as primeiras experiências emocionais e entender onde
a ferida começou.
✔ Nomeação do indizível
Dar
palavras ao trauma rompe o ciclo de repetição. O que era dor muda de forma.
✔ Contato com um novo tipo de relação
Na
relação analítica, o paciente encontra um espaço sem julgamentos, onde pode
existir sem medo de rejeição.
✔ Fortalecimento do Eu
A
análise ajuda o sujeito a desenvolver autonomia, maturidade emocional e
percepção realista das relações.
✔ Ressignificação do desejo
A
pessoa se liberta da busca compulsiva por aprovação e passa a reconhecer seu
valor.
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Quando é preciso integrar psicanálise e neurociência?
A
união das duas áreas é extremamente útil em casos de:
- hiperativação emocional
- ansiedade intensa
- reatividade corporal
- histórico de trauma
- medo de abandono paralisante
A
neurociência oferece compreensão sobre o funcionamento biológico do medo,
enquanto a psicanálise traz a profundidade simbólica necessária para
reconstruir a narrativa subjetiva.
A
combinação das duas amplia a escuta clínica e fortalece a capacidade do
paciente de se reconhecer como sujeito desejante , não como alguém
permanentemente “recusado”.
Conclusão
A
Síndrome da Rejeição não é frescura, exagero ou falta de amor-próprio. É um
fenômeno psíquico profundo, enraizado em experiências de dor e falta de
acolhimento, que marca a forma como o sujeito se relaciona com o mundo.
A
psicanálise, ao lado das contribuições da neurociência, oferece caminhos para
que o paciente se reconecte com sua história, reencontre seu valor e construa
novas formas de existir, mais livres,
mais conscientes e mais amorosas.
Referências
Bibliográficas
DAMÁSIO,
A. O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
FREUD,
S. O Ego e o Id. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD,
S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago,
1996.
LEDOUX,
J. O Cérebro Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
PANKSEPP,
J. Affective Neuroscience. New York: Oxford University Press, 1998.
SIEGEL,
D. The Developing Mind. New York: Guilford Press, 2012.
VAN
DER KOLK, B. O corpo guarda as marcas. Porto Alegre: Artmed, 2016.
WINNICOTT,
D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
Nota
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Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional. Texto inspirado em Freud,
Winnicott, Lacan e estudos contemporâneos.