Point da Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio

 

Um espaço de pausa, reflexão e reencontro consigo.

 

Aqui, a psicanálise ganha voz viva, coração pulsante e linguagem acessível. Este é o Point da Psicanálise, o lugar onde teoria e experiência se encontram, e o saber científico se torna também encontro humano. Texto adaptado e comentado por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.

 

Psicanálise é pseudociência? Entenda o debate

 

Entre o rigor da ciência e o mistério da alma, um diálogo que continua atual.

 

Introdução

 

Desde o nascimento da psicanálise, no fim do século XIX, as ideias de Sigmund Freud dividiram o mundo científico. Para alguns, ele inaugurou uma nova ciência do inconsciente.

Para outros, rompeu com a objetividade e mergulhou em um campo subjetivo demais para ser considerado ciência. Mas, afinal, a psicanálise é uma ciência? Ou seria, como acusam alguns críticos, uma “pseudociência”? Responder a essa pergunta exige mais do que um rótulo  exige compreender o que é ciência, o que é subjetividade e, sobretudo, o que significa compreender o ser humano.

 

O que é ciência, e por que Freud desafiou seus limites

 

Na virada do século XIX, ciência significava mensurar, quantificar, prever. Era o domínio da física, da química e da biologia, que se guiavam pela experimentação e pelo método empírico. Freud, médico neurologista, começou dentro desse paradigma, estudando anatomia, histologia e o funcionamento do sistema nervoso. Mas ao atender seus pacientes histéricos, percebeu algo que a medicina não explicava: sintomas sem causa orgânica. Mulheres que perdiam a fala, a visão ou a força, sem lesão física. A causa não estava no corpo, mas em outra instância: a mente, o desejo, o inconsciente. Ao propor que sintomas físicos pudessem ter origem psíquica, Freud abriu um campo inteiramente novo, e profundamente incômodo para o modelo científico clássico.

 

Por que alguns chamam a psicanálise de pseudociência

 

O termo “pseudociência” foi popularizado por Karl Popper, filósofo da ciência.

Para ele, uma teoria só é científica se for falseável, ou seja, se puder ser testada e refutada por meio de experimentação. Como os conceitos psicanalíticos (como inconsciente, recalque ou transferência) não podem ser diretamente testados em laboratório, Popper classificou a psicanálise como “pseudocientífica”. Outros críticos, como Adolf Grünbaum, reforçaram o argumento: as interpretações analíticas seriam imunes à prova empírica, pois qualquer tentativa de refutação poderia ser interpretada como resistência do paciente. Contudo, essa crítica parte de um equívoco: o de querer medir a psicanálise com os instrumentos da física ou da biologia, ciências da natureza, e não ciências do sujeito.

 

A defesa dos psicanalistas

 

Para autores como Jacques Lacan, Donald Winnicott e Wilfred Bion, a psicanálise é uma ciência singular, uma “ciência do inconsciente”. Ela não busca leis universais, mas compreensões singulares do desejo e da subjetividade.

Seu método não é o da verificação empírica, mas o da interpretação simbólica. Freud mesmo afirmou: “A psicanálise não é uma especulação filosófica, mas um método de investigação do inconsciente e um tratamento terapêutico.” (Freud, 1917 – Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise). Hoje, muitos pesquisadores defendem que a psicanálise se enquadra nas chamadas ciências humanas hermenêuticas, que não explicam, interpretam.

Assim como a história, a sociologia e a linguística, a psicanálise busca sentido, não números.

 

O diálogo com a neurociência

 

Nos últimos anos, as pesquisas em neurociência afetiva e cognitiva reacenderam o diálogo. Estudos sobre memória, emoção e inconsciente neural mostraram que muitos pressupostos freudianos encontram correspondência biológica, como o papel dos sonhos na consolidação da memória (Stickgold, 2013) ou a relação entre trauma e circuitos emocionais (LeDoux, 2015).  Hoje, centros de pesquisa como o Instituto do Cérebro da PUC-Rio e a Sociedade Brasileira de Psicanálise trabalham em projetos que unem psicanálise e neurociência, ampliando a legitimidade científica da escuta analítica.

 

A verdade da psicanálise não é numérica, é experiencial

 

A psicanálise não busca provar fórmulas; busca revelar sentidos. Ela não prevê resultados padronizados, mas acompanha trajetórias singulares. Cada sessão é um experimento vivo entre duas subjetividades. Seu campo é o da experiência humana: o amor, o trauma, a culpa, o desejo, o inconsciente. E nenhuma equação pode medir o valor de uma escuta que transforma sofrimento em palavra.

 

Conclusão

 

Chamar a psicanálise de pseudociência é não compreender que existem várias formas de ciência. Há a ciência da prova e há a ciência da escuta. Há a ciência que mede e a ciência que interpreta. Ambas são necessárias, mas cada uma responde a perguntas diferentes. A psicanálise não nasceu para competir com o microscópio, e sim para revelar o invisível da alma.

E talvez seja justamente por isso que, mais de um século depois, ela continua viva, inspirando, acolhendo e curando, no silêncio entre uma palavra e outra.

 

Referências principais:

 

FREUD, Sigmund. Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

 

POPPER, Karl. Conjecturas e Refutações. São Paulo: Edusp, 2008.

 

LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

 

STICKGOLD, Robert. “Sleep, Memory and Dreams: The Taming of the Shrew.” Science, v. 294, 2001.

 

LEDOUX, Joseph. Anxious: Using the Brain to Understand and Treat Fear and Anxiety. Viking, 2015.

 

Nota Ética e Autoral – CMP Palácio | Point da Psicanálise

 

Texto inspirado nas obras de Freud, Popper, Lacan, Winnicott, Bion e em estudos contemporâneos sobre ciência e subjetividade, com interpretação autoral de Cléo Palácio.

O conteúdo é elaborado e adaptado com base em fontes teóricas clássicas da Psicanálise, Neurociência e Ciências Humanas, com finalidade educacional e científica, conforme a Lei 9.610/98 (Direitos Autorais) e a Lei 13.709/18 (LGPD).

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Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional