Uma leitura
psicanalítica sobre os ciclos invisíveis que movem o nosso inconsciente.
Por Profª Dra.
Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional
Introdução
Há algo profundamente humano em repetir.Repetimos
gestos, histórias, escolhas e, às vezes, até as dores.Quantas vezes prometemos
“nunca mais” e, mesmo assim, voltamos ao mesmo ponto? Para a psicanálise, esse
movimento não é fracasso moral nem falta de vontade. É o eco de algo não
elaborado, uma memória inconsciente que insiste em ser escutada.Freud chamava
isso de compulsão à repetição (Wiederholungszwang):um impulso silencioso que
nos leva reviver experiências dolorosas, na tentativa inconsciente de
transformá-las ainda que à custa de sofrimento.
O que é repetição na psicanálise
A repetição é uma tentativa do
inconsciente de dar sentido ao que ficou suspenso.
Não se trata apenas de refazer o
passado, mas de reinscrever o trauma na esperança de encontrar outro desfecho.É
como se o sujeito, sem saber, dissesse: “Dessa vez, eu quero entender o que
vivi.” Mas, na prática, ele repete os mesmos erros,escolhe o mesmo tipo de
pessoa,e cai nas mesmas armadilhas emocionais.Freud observou esse fenômeno já
nos primórdios da clínica, quando percebeu que seus pacientes não apenas
recordavam, atuavam.Ao invés de lembrar o trauma, o reviviam na relação com o
analista.
Repetição e transferência
Em Recordar, Repetir e Elaborar (1914),
Freud afirma: “O paciente não recorda o que esqueceu, mas o repete, sem saber
que repete.” Na análise, o sujeito transfere ao analista afetos antigos: amor,
raiva, ciúme, culpa. A clínica se torna um espelho onde o passado se atualiza. O
que não pôde ser dito, é encenado. O que não foi elaborado, retorna ,até ser
compreendido. Essa é a beleza e a dor do processo:mé preciso repetir para
transformar.
O manejo da repetição
A função do analista não é interromper a
repetição, mas dar-lhe voz e sentido. Por meio da escuta, o paciente descobre que
pode falar do que o domina, e, ao nomear, deixa de ser refém. Assim, a
repetição perde força. O que era ato cego se converte em palavra consciente. O
passado deixa de ser prisão e se torna aprendizado.
Compulsão à repetição e pulsão de morte
Em Além do Princípio de Prazer (1920),
Freud aprofunda o tema. Há repetições que não traze prazer algum, apenas dor. São
movimentos impulsionados por uma força que ele chamou de pulsão de morte: o
desejo inconsciente de retorno ao ponto inicial, à estagnação, ao silêncio
absoluto. Mesmo o sofrimento pode servir como tentativa de equilíbrio. Repetir
o que dói é, paradoxalmente, uma forma de o inconsciente dizer: “Enquanto
repito, ainda existo.”
A psicanálise como espaço de elaboração
O trabalho analítico busca transformar a
repetição em elaboração. Quando o sujeito fala, associa, reflete, ele inscreve
significado onde antes havia apenas dor. E esse é o ponto mais sublime da
psicanálise: não apagar o passado, mas ressignificá-lo. Cada insight é uma
libertação silenciosa. Cada palavra que substitui o ato é um passo em direção à
autonomia psíquica.
Conclusão
Repetir é humano. Mas compreender o que
se repete é um gesto de coragem. A psicanálise nos ensina que o inconsciente
não quer nos punir, quer nos curar, quando finalmente o escutamos. Por isso,
quando você perceber que está de novo no mesmo lugar, não se culpe. Apenas
pergunte: “O que dentro de mim ainda pede para ser ouvido?”
Talvez ali
esteja o ponto exato onde o inconsciente quer florescer.
Referências
FREUD, Sigmund. Recordar, Repetir e Elaborar. In: Obras
Psicológicas Completas, vol. 12. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, Sigmund. Além do Princípio de Prazer. In: Obras
Psicológicas Completas, vol. 18. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
VAN DE VIJVER,
G.; BAZAN, A.; DETANDT, S. On What
Commands Repetition in Freud and Lacan. Frontiers in Psychology, 2017.
Nota Ética e
Autoral – CMP Palácio | Point da Psicanálise
Texto inspirado
nas obras de Sigmund Freud e em estudos contemporâneos da psicanálise, com
interpretação autoral de Cléo Palácio.
O conteúdo é
elaborado e adaptado com base em fontes teóricas clássicas da Psicanálise,
Neurociência e Ciências Humanas, com finalidade educacional e científica,
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Profª Dra. Cléo
Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional