Point
da Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio
Um espaço de
pausa, reflexão e reencontro consigo.
Aqui, a
psicanálise ganha voz viva, coração pulsante e linguagem acessível.
Cada texto nasce
do diálogo entre emoção e pensamento, entre ciência e alma.
Este é o Point
da Psicanálise, o ponto de encontro entre teoria e vida, onde o inconsciente se
revela como mapa interno das nossas escolhas e do nosso cuidado emocional. Reflexões
adaptadas e comentadas por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio
Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.
Sonhos, linguagem e o lugar do indizível: por que a
interpretação analítica não busca “fechar o sentido”
Este texto apresenta, de forma didática
e embasada, a relação entre interpretação dos sonhos e significante na
psicanálise, destacando um ponto central: a interpretação não é sinônimo de
explicação total, e justamente no limite do que falha na linguagem emerge o
sujeito do inconsciente.
1) Por onde começar: interpretar não é “explicar”
Na tradição psicanalítica, interpretar
não é traduzir o sonho num “manual de símbolos” nem reduzir imagens a
significados fixos. A interpretação desconfia do óbvio, abre perguntas e acolhe
a singularidade.
Em vez de “fechar” o sentido, ela indica
fendas, desmonta certezas e aposta na experiência de dizer do analisando, onde
o que parecia sem sentido ganha ressonância. Ideia-chave: a interpretação
transcende o sentido explícito da fala e mira o que, na linguagem, tropeça, ali
onde o sujeito pode advir.
2) Freud: o sonho como via régia ao inconsciente
Em A Interpretação dos Sonhos (1900),
Freud rompe com dois caminhos insuficientes: a leitura simbólica totalizante (um
“dicionário” de símbolos), e a decifração mecânica (um código fixo para cada
imagem).
Ele propõe o método das associações
livres: parte-se de cada elemento do sonho, colhendo o que o sonhador diz dele,
memórias, ideias, lapsos, cenas. Assim, o sentido se produz no percurso e para
aquele sujeito.
Freud também descreve o “umbigo do
sonho”: um ponto inevitavelmente opaco, onde a interpretação não alcança. Esse
limite não é falha do método; é estrutura da linguagem.
3) Da metáfora ao hieróglifo: como os sonhos
“escrevem”
No sonho, o sentido não aparece direto:
se desloca, se condensa, se mascara. Por isso, Freud o compara a uma escrita
hieroglífica: não há chave única; o que vale é a relação entre elementos.
A imagem onírica funciona como metáfora:
diz por substituição, abre camadas — e o que importa é o que ela faz dizer no
analisando. O foco sai do “que significa?” e vai para “o que faz ecoar em
você?”.
4) Lacan: significante, barra e o furo que faz nascer
o sujeito
Ao recolocar Freud no campo da
linguagem, Lacan sublinha que: O significante (a forma sonora/letra) comanda o
jogo do sentido; Entre significante e significado há sempre uma barra (uma
hiância), o sentido nunca cola por completo; Toda interpretação produz
surpresa: o efeito não é dedutível a priori.
Assim, o sentido insiste, mas não se
encerra. E é nesse resto que não fecha, esse nonsense estruturante, que o sujeito
do inconsciente aparece. Interpretar, então, é marcar o furo, não preenchê-lo.
5) Clínica: do “lembrar tudo” ao “atuar e elaborar”
Freud abandona a meta impossível de
“recordar toda a história” e mostra que o paciente repete no presente (na
transferência) os impasses de outrora.
O manejo analítico visa transformar
repetição em elaboração: sustentar a fala, perguntar bem e autorizar o sujeito
a associar, para que o mesmo de sempre encontre outra via.nPrincípios práticos
para a escuta: Associação livre do analisando (sem censura); Atenção flutuante
do analista (sem selecionar só o que “faz sentido”); Interpretações precisas e
parcimoniosas, que toquem o ponto sem moralizar.
6) O limite fecundo: quando a palavra falta
Há cenas (como no sonho do “pai e o
filho que arde”) em que o real transborda. Acorda-se diante do impossível: não
há significante suficiente. Esse “tropeço do dizer” não é fracasso terapêutico;
é o lugar exato onde o sujeito pode redesenhar sua posição frente ao desejo, à
perda, ao trauma. A análise não promete “toda a verdade”; ela sustenta um
trabalho em que cada um cria a sua maneira de dizer o indizível.
7) Para levar consigo
Interpretar é abrir (não fechar) o
sentido. Sonhos são escritas vivas: fazem falar. Sempre restará um ponto opaco,
e é aí que nasce o sujeito. Na clínica, o eixo é da repetição à elaboração:
menos “explicar”, mais autorizar a experiência de fala.
Referências essenciais (para estudo)
FREUD, S. A
Interpretação dos Sonhos. ESB, v. IV–V. Rio de Janeiro: Imago, 1996 (1900).
FREUD, S.
“Recordar, repetir e elaborar” (1914). ESB, v. XII.
FREUD, S.
“Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise” (1912). ESB, v. XII.
LACAN, J.
Escritos (1953–1958). Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
LACAN, J. O
Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964).
Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
SAUSSURE, F.
Curso de Linguística Geral (1916). São Paulo: Cultrix, 2006.
RAVIZZINI, S.;
BALDIN, T. “A interpretação dos sonhos e sua relação com o significante: um
achado que implica a dimensão da perda”. Tempo Psicanalítico, v. 53, n. 1, 2021
(SciELO).
Observação de
transparência: Este texto é original e autorais (reescrito do zero), porém
inspirado em ideias presentes no artigo de Ravizzini & Baldin (2021) e nas
obras clássicas citadas.
Nota Ética e
Autoral – CMP Palácio | Point da Psicanálise
Texto inspirado
em Fontes Clássicas da Psicanálise e Linguística (Freud, Lacan, Saussure) e em
artigo acadêmico indexado no SciELO (Tempo Psicanalítico, 2021), com
interpretação e curadoria autoral de Profª Dra. Cléo Palácio.
Finalidade
educacional, científica e cultural, conforme a Lei 9.610/98 (Direitos Autorais)
e a Lei 13.709/18 (LGPD).
Reprodução
parcial apenas com menção da fonte e autoria:
Profª Dra. Cléo
Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.