Point da Psicanálise – por Profª Dra. Cléo Palácio

Um espaço de pausa, reflexão e reencontro consigo.

 

Aqui, a psicanálise ganha voz viva, coração pulsante e linguagem acessível.

Este é o Point da Psicanálise, o lugar onde teoria e experiência se encontram, e o saber científico se torna também encontro humano.

Texto adaptado e comentado por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional

 

A Ansiedade na Era Digital: Entre o Gozo e o Excesso

Baseado no artigo “O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise” (Marília Brandão Lemos de Morais Kallas, Revista Reverso, vol. 38, n. 71, 2016).
Texto adaptado e comentado por Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.

Um novo sujeito nasce entre telas e algoritmos

O mundo contemporâneo é um palco de mudanças sem precedentes. Entre transformações tecnológicas, sociais e emocionais, a internet tornou-se o novo espelho onde o sujeito se olha, se expõe e se constrói. O que antes era íntimo, diários, pensamentos, lutos, desejos, hoje é compartilhado em tempo real, transformando o privado em público e o eu em espetáculo.

Como aponta Kallas (2016), o universo virtual é uma “janela” que evidencia os novos modos de ser e estar no mundo. Ali, o sujeito não apenas se comunica: ele performar-se. Mostra o que tem de melhor e, às vezes, o que há de mais obscuro.
É o palco onde o desejo de ser visto e o medo de desaparecer se misturam.

 

Do prazer à compulsão: o gozo digital

Na era das redes, o tempo entre o desejo e a satisfação desaparece. Basta um clique, e o impulso encontra gratificação imediata. Esse circuito reduzido entre vontade e realização cria uma nova economia psíquica, em que a espera se torna insuportável e o prazer é substituído pelo gozo: uma excitação que não cessa, que pede sempre mais.

Freud já falava, em Além do Princípio do Prazer (1920), da pulsão que insiste para além do prazer. Hoje, essa pulsão encontra na internet seu território ideal: um espaço sem pausa, sem tempo, sem limites simbólicos. Lacan chamaria isso de gozo do Outro: o excesso de estímulo que não permite o desejo se organizar.

 

A ansiedade do sempre conectado

Na hipermodernidade, o sujeito vive permanentemente ligado, e permanentemente cansado. Cada notificação é um pequeno trauma, um choque que reativa o desejo de estar “dentro” de tudo. Mas esse mesmo excesso gera vazio.

Como explica Birman (2014), vivemos um mal-estar ancorado no corpo, na ação e nas intensidades: a ansiedade virou linguagem, e o corpo fala o que a palavra já não dá conta. A ausência de pausas, a necessidade de visibilidade e a exposição constante criam uma subjetividade ansiosa, incapaz de elaborar o tempo e a falta.

O sujeito não espera, clica. Não deseja, consome. Não elabora, repete.

 

Da interioridade à exterioridade

Segundo Kallas (2016), a modernidade cultivava a interioridade; já a contemporaneidade vive de exterioridade e performance. Ser é aparecer. As redes não apenas conectam, elas moldam o inconsciente coletivo, dissolvendo fronteiras entre real e virtual. Nesse contexto, o pensamento e a linguagem se empobrecem: o discurso torna-se literal, horizontal, preso ao presente, sem metáfora nem profundidade simbólica.

 

Compulsão e vazio: sintomas do novo mal-estar

A psicanálise contemporânea identifica novos sintomas: compulsões por consumo, jogos, comida, sexo, redes sociais e, paradoxalmente, uma solidão crescente. Esses comportamentos repetitivos são formas de descarga, tentativas de controlar o excesso de estímulo e de angústia. Mas, como ensina Freud, “o sintoma é uma mensagem cifrada”. Na era digital, ele talvez diga: “Estou exausto de ser visível.”

 

A clínica diante do excesso

A clínica psicanalítica precisa, como defende Kallas, reler-se à luz da pulsão de morte, do trauma e da angústia. O analista, hoje, escuta corpos agitados, falas literais e subjetividades fragmentadas. É preciso ouvir não apenas o que se diz, mas o que se posta, o que se mostra, o que se cala. A escuta deve incluir o gesto, o silêncio, a respiração, porque o sofrimento contemporâneo também se expressa fora da palavra.

 

Conclusão: o sujeito e o espelho digital

O sujeito contemporâneo vive numa vitrine iluminada, mas internamente esgotada. O gozo constante substitui o desejo, e a ansiedade tornou-se o sintoma de um tempo sem pausas. A psicanálise, longe de estar ultrapassada, é o campo que restitui a palavra e o tempo à experiência humana. Como diria Shakespeare em Macbeth: “Dai palavras à dor; a tristeza que não fala murmura no coração até que o quebra.” O desafio da clínica é devolver ao sujeito a possibilidade de falar sua dor antes que ela grite no corpo.

 

Referências

KALLAS, Marília Brandão Lemos de Morais. O sujeito contemporâneo, o mundo virtual e a psicanálise. Reverso, Belo Horizonte, v. 38, n. 71, p. 33-47, jun. 2016.
Disponível em:
https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952016000100006. Acesso em: 7 nov. 2025.

FREUD, Sigmund. Além do princípio do prazer. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
BIRMAN, Joel. O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

 

Nota Ética e Autoral – CMP Palácio | Point da Psicanálise

Texto inspirado e adaptado do artigo científico real de Marília Brandão Lemos de Morais Kallas (Reverso, v. 38, n. 71, 2016), com interpretação autoral e linguagem acessível elaborada por Profª Dra. Cléo Palácio.
Finalidade educacional, científica e cultural, em conformidade com a Lei 9.610/98 (Direitos Autorais) e a Lei 13.709/18 (LGPD).
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“Profª Dra. Cléo Palácio – CMP Palácio Desenvolvimento Humano, Educacional e Profissional.”